Igreja Católica
Organização e estrutura
O catolicismo apresenta duas características
que devem ser levadas em conta na análise de suas posições políticas e religiosas.
A primeira é a profunda vinculação entre igreja e poder político, iniciada com
Constantino no século IV, mantida ao longo de toda a Idade Média e prolongada
em diversos estados durante a época moderna, em alguns países até os dias de
hoje. Com muita freqüência, portanto, a organização eclesiástica sofreu a influência
das alianças com o poder secular. O segundo aspecto a ser considerado é que
a igreja transformou-se, desde o início da Idade Média, num verdadeiro estado
político, sendo o papa, portanto, não apenas um chefe religioso mas também um
chefe de estado, atribuição que conserva até hoje, não obstante o tamanho reduzido
do estado pontifício.
Escolhidos por Jesus para pregar o Evangelho,
os primeiros apóstolos eram simples pescadores da Galiléia, homens de pouca
instrução. A fim de prepará-los para sua missão, Jesus reuniu-os ao redor de
si, transmitindo-lhes pessoalmente seus ensinamentos. Também os apóstolos e
seus primeiros sucessores instruíram os discípulos por meio de contato pessoal,
consagrando essa forma de educação sacerdotal nos primeiros séculos da igreja.
Muito contribuiu para a formação do clero a fundação de escolas catequéticas
em Alexandria, Antioquia e Cesaréia, desde fins do século II. A eleição dos
clérigos estava a cargo dos apóstolos e seus sucessores, os bispos, mas se costumava
ouvir também o parecer da comunidade cristã, a quem competia o sustento dos
clérigos, dos quais se exigiam virtudes e qualidades morais.
De início, o celibato não era obrigatório para
os clérigos que ingressavam casados no estado eclesiástico. Tampouco se fazia
distinção entre os termos bispo e presbítero; havia também as diaconisas, devotadas
ao cuidado dos enfermos e instrução das mulheres, mas tal ordem eclesiástica
desapareceu no século VII. Nos primeiros séculos, a comunidade cristã dependia
diretamente dos bispos, como atesta Inácio de Antioquia; somente mais tarde
foram criadas as paróquias.
A pujança da vida cristã, no início do século
IV, é atestada ainda hoje pelas basílicas romanas: São Pedro, São Paulo, Santa
Maria Maggiore, São Lourenço, São João do Latrão, São Sebastião e Santa Cruz
de Jerusalém. Construídas sob o patrocínio de Constantino e de sua mãe, Helena,
são prova do esplendor de que se revestia então o culto litúrgico. Nos principais
centros do Ocidente, como Cartago, Milão e Roma, generalizou-se a praxe da missa
cotidiana. Como regra geral, o clero se formava à sombra dos presbitérios e
das abadias. Na Itália, sacerdotes de diversas paróquias reuniam em seus presbitérios
os aspirantes ao sacerdócio, para instruí-los no serviço divino. Agostinho e
Eusébio de Vercelas reuniam na própria casa episcopal os jovens desejosos de
seguir a vocação sacerdotal. Também os mosteiros preparavam um clero seleto.
O celibato, prescrito inicialmente para o clero da Espanha e depois estendido
para toda a igreja do Ocidente pelo papa Sirício, no sínodo romano de 386, foi
rejeitado pelos bispos do Oriente, onde vigorou apenas a proibição de núpcias
para os que recebiam solteiros as sagradas ordenações.
Com a queda do Império Romano, a igreja passou
a ocupar-se da evangelização e conversão dos povos germânicos, o que deu origem
a novos modelos de organização eclesiástica. Nos reinos dos visigodos e dos
francos, ao lado da eleição feita pelo metropolita e avalizada pelo povo, exigia-se
desde o século VI a confirmação real para o episcopado. Tanto a igreja franca
como a visigótica assumiram um caráter fortemente nacionalista, acentuando-se
sua independência com relação à Santa Sé. Em ambas as cristandades, infiltrou-se
o instituto das "igrejas próprias". As igrejas rurais passaram a ser consideradas
propriedades particulares dos senhores da terra, que se imiscuíam na eleição
de párocos e capelães. Na igreja franca, ao lado de um alto clero político e
mundano, surge um clero inferior inculto e desregrado. No reino visigótico,
a vida religiosa do clero revitalizou-se no século VII com a convocação de numerosos
sínodos. Apesar disso, a prática do celibato foi quase abandonada, a tal ponto
que o rei Vitiza julgou-se autorizado a suprimi-la de todo no início do século
VIII.
A partir de Pepino o Breve, é notória a ação
dos carolíngios em favor da igreja; pode-se mesmo atribuir a essa dinastia o
surto reformador do século VIII e seguinte. Carlos Magno e seu filho Luís o
Piedoso, em modo particular, deram importância excepcional à reforma da igreja.
Durante o reinado do primeiro, instituíram-se muitas paróquias e bispados, a
posição dos bispos nas dioceses foi valorizada pelas visitas pastorais e pelos
sínodos e o pagamento dos dízimos consolidou a base econômica das igrejas. O
imperador ordenou também a fundação de escolas ao lado das catedrais, mosteiros
e abadias. Embora vinculado aos interesses expansionistas do reino franco, o
incremento da atividade religiosa converteu o reinado de Carlos Magno na primeira
experiência de construção da cristandade medieval.
Durante a época feudal dos séculos X e XI, houve
acentuada decadência da vida cristã, ocasionada, em primeiro lugar, pelas contínuas
incursões dos normandos, húngaros e sarracenos, que traziam devastações, desorganização,
miséria e fome para o povo. A conversão em massa da população provocou uma assimilação
muito superficial do cristianismo. Além disso, na conversão dos saxões foi utilizada
a força armada, gerando-se com isso o ódio e não o amor pela fé cristã. Assim
sendo, desagregado o império carolíngio, o povo retornou à vida primitiva e
retomou costumes pagãos: práticas supersticiosas e uso de amuletos e sortilégios.
O paganismo se manifestava na instituição dos ordálios, ou juízos de Deus, resolvidos
por meio de duelos, provas de fogo e de água, nas quais se esperava uma intervenção
miraculosa da divindade em favor do inocente. Dominava o espírito de vingança,
sensualidade e ebriedade, sendo comuns as violações do vínculo matrimonial.
A decadência da vida cristã manifestava-se também
na deficiente prática religiosa e sacramental. Aumentava o culto dos santos,
eivados muitas vezes de práticas supersticiosas e de ignorância. Cresceu a veneração
indiscriminada das relíquias, que eram da mesma forma comercializadas ou roubadas.
Relíquias falsas eram postas com facilidade em circulação: três localidades
da Europa se vangloriavam de possuir entre seus tesouros, a cabeça de são João
Batista; chegavam a 33 os cravos da Santa Cruz venerados em diversas igrejas;
a abadessa Ermentrude de Jouarre falava em relíquias como o fruto da árvore
da ciência do bem e do mal e Angilberto enumera, entre as relíquias do mosteiro
de São Ricário, a candeia que se acendeu no nascimento de Jesus, o leite de
Nossa Senhora e a barba de são Pedro.
Desde meados do século IX até fins do século
XI, a observância do celibato entrou em grande decadência e num abandono quase
completo. Padres e bispos casados preocupavam-se por vezes mais com sua família
do que com o ministério pastoral. Os bens eclesiásticos eram também utilizados
para prover parentes, ou transmitidos aos filhos, formando-se uma espécie de
dinastia sacerdotal. Outro abuso de vastas proporções era a compra e venda de
benefícios e ministérios eclesiásticos. Houve casos de simonia, ou seja, tráfico
de coisas sagradas, na aquisição das dioceses da França, Itália e Alemanha.
A fim de recuperar o dinheiro gasto com a própria nomeação, os bispos eleitos
dessa forma não admitiam clérigos às sagradas ordenações senão mediante alguma
compensação pecuniária. Os presbíteros não administravam os sacramentos sem
remuneração. No sínodo realizado em Roma em 1049, o papa Leão IX quis depor
os sacerdotes ordenados por bispos considerados simoníacos, mas os casos eram
tão numerosos que ele não pôde concretizar sua decisão, pois teria privado de
cura de almas um número muito grande de igrejas.
Sob a orientação do papa reformador Gregório
VII e de seus sucessores, afirmou-se a autoridade legislativa e administrativa
da igreja romana nos séculos XII e XIII. Diminuiu a influência dos costumes
germânicos, substituídos pelo direito romano, utilizado sob a forma de direito
canônico pela instituição eclesiástica. O apelativo "papa", já usado precedentemente
pelo bispo de Roma, assumiu significado pleno e exclusivo. Desde o século XI,
introduziu-se também o uso da tiara, como símbolo do poder eclesiástico. Fortaleceu-se
a doutrina da autoridade normativa da Sé Apostólica para toda a igreja. A partir
de então, apenas o papa podia convocar e aprovar os concílios ecumênicos. Organizou-se
a Cúria Romana para despacho dos negócios referentes ao papa e ao estado pontifício.
Nomearam-se os cardeais, espécie de senadores da igreja, com quem o papa resolvia
as questões mais importantes em reuniões denominadas consistórios. Os cardeais
passaram a ser enviados mais amiúde às diversas nações como legados pontifícios.
Tal instituição chegou ao máximo desenvolvimento sob Inocêncio III, papa que
governou na passagem do século XII para o século XIII e sob o qual o poder de
Roma afirmou-se de forma enérgica e intransigente.
O fortalecimento do poder romano induziu os papas
a se tornarem os incentivadores da libertação da Terra Santa das mãos dos muçulmanos,
dirigindo contra eles as cruzadas ou guerras santas. A defesa da ortodoxia católica
teve também como resultado a criação do tribunal da Santa Inquisição. Esta apresentava
desde o início graves vícios, como a aceitação de denúncias e testemunhos de
pessoas cuja identidade era mantida em segredo, a não-admissão de defensores,
o abuso do conceito de heresia, a aplicação da tortura e a pena de morte. Embora
as execuções fossem efetuadas pelas autoridades civis, esse particular não diminui
a responsabilidade da igreja; no entanto, o juízo sobre a Inquisição deve levar
em conta a mentalidade da época, que considerava a fé cristã como o máximo bem,
e a apostasia e a heresia como os piores delitos.
A afirmação política da Santa Sé conduziu os
papas a diversos conflitos com reis e príncipes. Em conseqüência disso, os papas
passaram a residir em Avignon no século XIV, pressionados pelos monarcas franceses.
Em contraposição aos pontífices de origem francesa, foram eleitos papas italianos,
num cisma que se prolongou até 1449. Em vista dessa situação, os teólogos passaram
a questionar a autoridade papal e as doutrinas conciliares ganharam força. A
partir de Sisto IV, eleito em 1471, os pontífices passaram a atuar mais como
príncipes do que como sacerdotes e se comportavam como dinastas da Itália que,
acidentalmente, eram também papas. A atuação mundana dos papas exigia novas
práticas e expedientes: negócios financeiros, vendas de ofícios e favores, artes
pouco honestas e o nepotismo (favoritismo aos sobrinhos).
O nepotismo marcou fortemente o pontificado de
Sisto IV e seu sucessor, Inocêncio III, que tinha como objetivo dominante enriquecer
o filho natural, Franceschetto. Sucedeu-lhe, por tráficos de simonia, o cardeal
Rodrigo Borgia, que assumiu no pontificado o nome de Alexandre VI, notório por
adultérios, perfídias e crueldades.
Nesse período de crise da igreja, Martinho Lutero
iniciou o movimento reformador que culminou na separação das chamadas igrejas
protestantes. Só então a igreja romana decidiu-se pela convocação de um concílio
(o de Trento), já tão desejado pelos cristãos. Como resultado da assembléia
conciliar, houve novo fortalecimento da autoridade pontifícia. O papa tornou-se
o verdadeiro orientador e promotor da reforma católica, intervindo em todos
os assuntos eclesiásticos. Para isso, muito contribuiu a nova organização da
Cúria Romana e do colégio dos cardeais, realizada por Sisto V. Em 1586, ele
fixou em setenta o número de cardeais, só ultrapassado no século XX, a partir
do pontificado de Pio XII. Em 1587, o papa estabeleceu também em 15 o número
de congregações romanas na Cúria, como instrumento para implantar a reforma
na igreja. Mereceram especial referência a congregação dos bispos, dos religiosos,
dos ritos e dos estudos eclesiásticos.
Com as mesmas finalidades de governo, foram estabelecidas
de modo definitivo as nunciaturas apostólicas, ou seja, embaixadas papais nas
diversas nações católicas. Anteriormente, os representantes do papa junto aos
reinos eram designados como legados, muito valorizados pela reforma implantada
por Gregório VII. O Concílio de Trento representou, sem dúvida, um evento de
excepcional importância da Igreja Católica e suas repercussões se prolongaram
pelos séculos seguintes. Ao lado, porém, dos grandes benefícios advindos em
termos de fortalecimento da fé e da moral católica, implantou-se na igreja o
espírito apologético, do qual a congregação do Santo Ofício, com a censura de
obras consideradas nocivas à religião, foi a expressão mais significativa. Esse
mecanismo autoritário existe até hoje com o nome de Congregação da Doutrina
da Fé. O centralismo romano aumentou o espírito conservador e autoritário da
igreja, preocupada na época em defender-se contra o avanço protestante e contra
a mentalidade humanista. No século XIX, o poder centralizador da Cúria foi reforçado
ainda mais, tornando-se os bispos simples agentes das orientações da Santa Sé.
Não obstante a renovação de idéias que marcou
o Concílio Vaticano II, a estrutura da Cúria Romana e a organização do estado
pontifício permaneceram quase intactos. Essas instituições serviram de base
para o movimento neoconservador posteriormente desencadeado pela Santa Sé, no
intuito de frear a modernização da igreja em diversos países, em busca de adaptação
ao mundo contemporâneo e às realidades de cada região.